sexta-feira, 29 de junho de 2012

'A arte existe porque a vida não basta'

"A arte existe porque a vida não basta", diz Ferreira Gullar, que sem dúvida é um dos maiores poetas brasileiros. Com sua poesia simples, inteligente e direta ele cria um novo mundo, dando-lhe um outro sentido. Brincando com as palavras revela uma infinidade de sentimentos, principalmente o de liberdade.
Nascido em São Luis do Maranhão, em 1930, Ferreira Gullar, procurou apontar em sua obra a problemática da vida política e social do homem brasileiro. De uma forma precisa e profundamente poética traçou rumos e participou ativamente das mudanças políticas e sociais brasileiras, o que lhe levou à prisão juntamente com Paulo Francis, Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1968 e posteriormente ao exílio em 1971. Poeta, crítico, teatrólogo e intelectual, Ferreira Gullar entra para a história da literatura como um dos maiores expoentes e influenciadores de toda uma geração de artistas dos mais diversos segmentos das artes brasileiras. Publicou seu primeiro livro aos 19 anos, “Um pouco acima do chão”, e em seguida começou a escrever uma poesia em que não havia nada previsto. Ao longo das décadas, a poesia do autor de "A luta corporal", "Dentro da noite veloz" e "Poema sujo", se confirmou tão inconfundível quanto seu nome. Hoje, aos 81 anos, Ferreira Gullar tem sua obra reconhecida dentro e fora do país. O recém-conquistado Prêmio Moacyr Scliar de Literatura já é o terceiro concedido ao seu mais recente livro, Em alguma parte alguma – que levou as categorias Poesia e Livro do Ano no Jabuti de 2011. O poeta admite que viver de poesia não é tarefa das mais simples. “Costumo dizer, de brincadeira, que poesia não vale nada no mercado porque vende pouco. Mas, é importante porque transforma a dor em alegria e o sofrimento em beleza”, afirma. Ao longos dos anos sua poesia ganhou várias definições: engajada, transgressora, vanguardista. Gullar afirma que para escrever poesia, embora a técnica seja necessária ela não é suficiente. Saber fazer não resolve. A poesia nasce de uma coisa a que ele chama de espanto. "É preciso que algo me espante, surpreenda ou atordoe para eu escrever poesia. Neste estado, e só neste estado de espanto, é que o poema consegue nascer".

Artes plásticas e literatura
Indagado sobre sua atividade como crítico de arte, Gullar disse que, antes de pensar em ser poeta, queria ser pintor. “Depois a poesia tomou conta, essas coisas a gente não governa. Mas continuo pintando e pensando sobre artes plásticas até hoje. Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo". 

ELOGIO DO ESPANTO

O que me move na vida é o espanto
o instante que se fragmenta em luzes,
como epifania
Ou seria o movimento pânico em que tudo
se transfigura e o mundo é renomeado?
O lugar das coisas é uma ilusão que dá lugar
à expressão "à deriva" e o que era porto torna-se
alto-mar e deste dia em diante não há âncora nem
mensagem na garrafa ou expectativa de resgate
Só quero da arte o que ela tem de espanto e de
incômodo
Meus olhos exaustos de imobilidades brancas
e dias de ontem desejam a surpresa da palavra
o inesperado da tinta que se revolta na tela
contra ela própria
Não me agrada o poema que seja só gramática
e lógica e tenha explicações para a vida
A vida não se explica
No entanto, é preciso exauri-la e trazê-la à tona
como água de um poço e derramá-la pelas bordas
ansiosa por tanto agora


Fonte: Revista Metáfora Edição 07 – Abril de 2012.


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